quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O cérebro em todas as idades, por Alexandre Castro Caldas


Foi-me remetido por mail este texto, ao que parece da autoria de ALEXANDRE CASTRO CALDAS - Neurologista

Aqui deixo a sua transcrição, face ao interesse que o assunto tem na sociedade portuguesa:

"Aos 65 anos, o neurologista rejeita uma idade para a reforma e defende mais oportunidades para idosos terem os seus projetos

Um curso que promove o diálogo intergeracional em torno do cérebro foi o mote para uma conversa com o neurologista Alexandre Castro Caldas. Preocupa-o um país de costas voltadas para as demências mas também uma sociedade demasiado centrada no dinheiro, que poderia ser mais fácil de resolver se tivéssemos circuitos cerebrais diferentes. O diretor do Instituto de Ciências de Saúde da Universidade Católica diz não ter vocação nem para político nem para crítico, mas faz o seu balanço da situação do país.

O que motivou este curso sobre o cérebro em todas as idades?

Estamos no Ano Europeu do Cérebro, o que pede um trabalho de divulgação. Outra motivação foi achar que têm sido transmitidas mensagens que não são verdadeiras e há um mercado que engana as pessoas. Que há medicamentos para fazer o cérebro funcionar melhor ou produtos para a memória. É preciso perceber o que a ciência provou e o que não provou.

Os suplementos não funcionam?

É preciso perceber que felizmente hoje há metodologias para estudar estas coisas. O que se passa com esses produtos é que muitos não foram experimentados e outros foram e não resultaram. O que é grave é que estes produtos não são classificados como medicamentos, dispensa-se o processo de validação. Nem tudo o que é natural faz bem. Mas não falo sequer só destes produtos. É preciso cuidado com o que se oferece às pessoas e quando o assunto é o cérebro há demasiada generalização.

Por exemplo?

O facto de uma pessoa de 70 anos que nunca fez sudokus passar uma tarde toda a fazê-los não lhe vai dar nenhum benefício. Não é por isso que vai deixar de se esquecer dos óculos. Quando muito pode desenvolver uma área de fazer sudokus mas não serve para nada.

É um mito que pode ajudar a manter o cérebro ativo?

O cérebro não é uma máquina a vapor. Manter o cérebro ativo implica manter muitas áreas a funcionar e isso faz-se vivendo. O núcleo fundamental do comportamento e da cognição humana é a relação com os outros. À medida que envelhecermos ficamos mais egocêntricos, como se o cérebro dissesse que já sabemos tudo.

É isso que temos de contrariar.

Há alguma explicação para isso?

Os porquês ainda são difíceis de responder, mas é o que acontece. À medida que envelhecemos, as áreas que se mantêm mais ativas estão ligadas à capacidade de introspeção. Isto pode ter uma explicação primária mas pode ser secundário, o resultado de uma menor exposição social. A sugestão que faço é que se viva bem desde pequenino, criando hábitos de memória e mantendo o contacto interpessoal. A memória desenvolve-se quando somos pequenos, aprendem-se coisas de cor porque isso cria mecanismos de armazenamento de informação que se vão repercutir ao longo da vida.

Estamos a hipotecar isso com as tecnologias e a crescente dependência dela?

Essa discussão é engraçada, se estaremos a tirar a memória da cabeça para os equipamentos. Sócrates nunca escreveu nada porque entendia, sabemos dos diálogos com Platão, que era dar cabo da memória. Retirava-se do pensamento alguma informação a que não recorreríamos tanto, não nos lembraríamos. Hoje é muito pior. A tecnologia pode não nos deixar memorizar e sugar-nos a memória toda.

E isso será mau para o nosso cérebro?

Não podemos fazer juízos de valor. É uma criação humana, faz parte da natureza humana desenvolver tecnologias e adaptamo-nos como fizemos com a escrita e com a roupa. O que é fascinante é a velocidade a que estão a acontecer as coisas. Aprendemos a escrever há 7 mil anos e foi ao longo deste tempo que o cérebro se adaptou. Hoje na mesma geração as coisas mudam 20 vezes. Estou convencido de que quando o cérebro não conseguir acompanhar, as novas tecnologias param.

Pode haver consequências a prazo, mais demência?

Não creio. A demência é uma doença que havemos de perceber porque é que acontece e há linhas de investigação que sugerem que seja do tipo viral, um pouco como os priões da doença das vacas loucas. Mas se existem doenças como esta, que ainda não percebemos bem, há perda de competências cognitivas porque a pessoa se senta à frente da televisão depois de se reformar, isso é que prejudicial. Isso não é doença. É a diferença entre a demência e o mau envelhecimento.

Como vê a discussão em torno da idade de reforma?

Acho disparatado haver uma idade até porque já passei do prazo. Há idades em que as pessoas são capazes de fazer determinadas coisas e outras em que já não são. Há pessoas que querem deixar de trabalhar em função do tipo de função que têm e do contrato e outras que querem continuar. Cada vez mais temos pessoas na idade da reforma fantásticas e a sociedade vai ter de aproveitá-las forçosamente.

Como reformava o sistema?

Devia haver um programa de segunda leva. Há imensas pessoas que passaram a vida toda a dizer que se fossem elas a mandar faziam assim e assado. Deviam ter essa oportunidade. Devia haver condições para os mais velhos lançarem um projeto, começarem um negócio, passarem a trabalhar por conta própria. O problema é que se eu chegar ao banco com 65 anos a pedir dinheiro ninguém mo dá. Devíamos por outro lado estimular o trabalho dos avós com os netos. A brincadeira dos netos pega-se às pessoas de idade e é uma atividade exploratória que faz bem aos velhos pela razão que falava de manter o cérebro a funcionar. Já as crianças pela transmissão de histórias e experiência aprendem formas de arquivar informação.

Fala-se excessivamente do problema dos mais jovens e das crianças?

Tende-se a olhar para o envelhecimento como uma curva descendente quando não é. A vida é uma linha paralela à terra e acontecem coisas diferentes em todas as fases. Há um cérebro para todas as idades como é o nome do curso. É evidente que não vou saltar ao eixo com 90 anos, existe uma perspetiva em relação ao comportamento em função da idade. Mas não podemos com base nisso cortar a oportunidade de as pessoas viverem as competências que têm. Infelizmente, é isso que acontece, a sociedade tira as oportunidades às pessoas idosas. Impõe barreiras de vida, oferece-lhes cidades agressivas, tenta escondê-las.

O que é uma cidade agressiva para velhos?

É Lisboa. Meta uma pessoa de 80 anos a andar em passeios com pedras soltas, cocós de cães e ervinhas a crescer e veja o que acontece.

Dantes os passeios estavam direitinhos e havia pessoas que raspavam a lioz para não ficar escorregadia. Hoje as pessoas veem-se aflitas. Há um momento da vida em que as pessoas dizem não vou saltar para este degrau porque dá mau resultado, vai acontecer-nos a todos porque o aparelho osteoarticular perde a sua elasticidade. As pessoas mais velhas recebem menos informação sensorial nas pontas de pés e têm de andar com mais cuidado, o tempo de reação é muito mais lento. As cidades têm de se adaptar a isto.

Perdemos capacidade intelectual quando envelhecemos?

A linguagem mantém-se mas há curvas de perda de memória. Mas é uma perda de episódios e não de procedimentos. Isso acontece porque há zonas do cérebro que reduzem a sua atividade. Mas mais uma vez: não sabemos se resulta de menos uso. Enquanto sou miúdo preciso de ir guardando informação para me adaptar à vida. Quando começo a ver que isto já sei e aquilo já sei, tendo a guardar menos. Se não usar, o cérebro é económico, desativa. Acho que a perda é secundária, se as pessoas insistirem em aprender conseguem.

Portanto é falso que burro velho não aprende línguas.

Sim. As pessoas mais velhas aprendem e se não aprendem mais é porque talvez não tenhamos desenvolvido metodologias adaptadas. É interessante que mesmo pessoas com problemas cognitivos graves têm reações que revelam o cérebro a processar mesmo coisas subtis. Tenho casos em que um filho se queixa que o pai ou a mãe passa muito mal as noites e na casa do irmão isso não acontece. Há situações mais dramáticas em que morre o marido ou a mulher e a pessoa fica tranquila. De alguma forma processava a ansiedade do outro. Uma coisa que se tem percebido é que o contacto físico é muito importante na relação com as pessoas com demência.

Falta informação sobre como cuidar nessas circunstâncias?

Não há um livro de instruções mas cada vez mais temos de ter técnicos preparados e isso é um problema gravíssimo em Portugal. Estamos de costas voltadas para o problema das demências. Há alguns projetos pontuais mas não há uma visão geral.

Mas há um programa prioritário de saúde mental da DGS e um Conselho Nacional de Saúde Mental.

Mas o que é que está feito? O que é que está no terreno? Nada. Uma pessoa que que se vê com um familiar com uma demência neste momento não sabe o que há-de fazer à vida.

Sobretudo não tendo dinheiro?

Mesmo tendo dinheiro. Há poucas instituições que sabem o que estão a fazer. As instituições nem sempre vão buscar os profissionais mais habilitados. Não têm formação e reagem à pessoa com demência como a uma pessoa sem demência. Com estas pessoas tem de se ser ator de teatro, perceber o papel a desempenhar. A pessoa que entra com demência numa instituição ou num lar tem uma história de vida que é deitada fora para ficar normalizado. Querem lá saber se foi calceteiro ou professor catedrático.

Faz diferença no contacto?

Claro que sim, se tiver sido toda a vida professor não me identifico por senhor João, não me reconheço, não percebo que é comigo. É preciso ter noção do passado cultural da pessoa. Mas há um problema mais grave: na maioria das instituições não há planos de trabalho individual. Uma pessoa não pode ir para uma instituição para se sentar à frente da televisão e ter refeições à hora certa. Estar ali vai passar a ser vida daquela pessoa. O plano tinha de estar escrito, ser pensado e revisto.

Esses planos de vida deviam ser obrigatórios nos lares e instituições?

Está previsto e devia ser mas há uma grande falta de conhecimento. Ainda há dias conversava com uma senhora que tem uma instituição. Dizia-lhe que era benéfico haver rotinas numas coisas mas não de outras. Por exemplo, não faz sentido os lugares marcados para almoçar, faz sentido ir mudando de mesa, conhecer pessoas novas. Ela respondia que isso era muito complicado: assim têm sempre o guardanapo e a medicação no mesmo sítio. Então mas não podem antes de se sentar ir buscar o guardanapo e a medicação?

Pedem-lhe muitas vezes conselho?

Às vezes e ficam muito admiradas. As pessoas percebem muito pouco de comportamento humano, há uma ideia errada de normalização.

Neste curso sobre o cérebro que vai repetir em Abril também sentiu isso?

Em algumas coisas sim. Uma das surpresas foi porque é que as pessoas de idade não conseguem falar enquanto andam. É simples: já perderam o piloto automático da marcha, pelo que o pensamento e a conversa interferem com o equilíbrio. Uma senhora ficou muito surpreendida, costumava zangar-se com a mãe por terem de parar para ela responder.

E porque é que os mais velhos se repetem tanto?

É como as crianças, quando se repete a mesma história os miúdos ficam tranquilos, quando se muda ficam aborrecidos. A repetição é um caminho conhecido, é a verdade da pessoa. Ao contar a mesma história muitas vezes, a pessoa sente-se com confiança.

A violência contra os idosos nas famílias parece ser mais comum do que pensávamos. Tem perceção desses casos?

Há muitas famílias disfuncionais, tive situações em que percebi que os filhos não eram a melhor companhia. Agora, hoje em dia há uma geração difícil que está a tomar conta dos pais e tem filhos pequenos, tem de fazer opções. Percebo que os filhos optem pelos mais novos, pelos filhos deles. O que faz com que não haja um investimento na qualidade de vida dos mais velhos, é mais fácil pôr num lar baratinho.

Tem-se falado dos incentivos à natalidade. Devia haver também incentivos à terceira idade?

É forçoso investirmos na natalidade até porque há uma idade em que ser pai e mãe faz parte da nossa biologia. Negar a procriação pode ser uma atitude intelectual e aí as pessoas organizam a sua vida de outra maneira. Mas na maioria das situações traz sofrimento. Em muitos casos as pessoas limitam-se a um filho único porque não podem ter mais, não é por razões de carácter intelectual. Isso é um constrangimento numa fase da vida que não podemos querer. Agora sem dúvida: temos de apoiar as duas coisas.

E o dinheiro chega?

Não estou nada de acordo com esse argumento de que a roupa está curta e ou se puxa para um lado ou para o outro. Muitas vezes a roupa dá para todos, tem é de estar bem distribuído.

É preciso fazer desaparecer as pregas a meio.

Onde vê as pregas?

Não vou discutir economia e política mas acho que o mundo anda todo ao contrário. Felizmente o Papa tem dito as coisas certas: a humanidade existe há milhares de anos e o dinheiro tem pouco tempo. Não faz sentido este culto dos mais ricos, para que serve isto? Não estou a dizer tirar aos ricos para dar aos pobres, mas tem de haver um padrão de vida mais equilibrado, que não crie tanto sofrimento.

Dizia-se que esta crise, ao vivermos com menos, podia ditar essa mudança

Acho que a exploração disto do ponto de vista político é inaceitável. Espremer a ver se sai alguma coisa. Acho quem deve ter ideias é quem quer ter poder: tem de arranjar uma solução para a economia que não faça sofrer as pessoas. Do meu ponto de vista, vai ser muito difícil recuperar do estado em que está o país neste o momento. As pessoas estão desmotivadíssimas. Não há família que não tenha pessoas emigradas e é uma emigração diferente da que aconteceu há uns anos em que se voltava. Estes estão a ir novos, instalam-se em situações mais confortáveis e ficam lá. O país não ganha nada com esta emigração.

Não vê virtude nenhuma na austeridade?

Não vejo virtude na austeridade. Querer transformar isso e dar-lhe um ar que pode ser ótimo para a evolução da sociedade é perverso. Não é pelo sofrimento que as pessoas resolvem o problema.

Que marca deixou esta crise na nossa saúde mental?

É preciso ter algum cuidado nessa análise. Podemos dizer o que achamos mas isso tem pouco valor. Já ouvi pessoas a dizer que aumentou a depressão e outras que não. Acho que as pessoas estão mais tristes e tristeza não é depressão. Afeta o nosso dia-a-dia mas não se resolve com remédios mas integrando as pessoas.

Mas induz uma espiral negativa, que não ajuda a recuperar?

O negativismo pega-se. Agora também temos de ter alguma memória. A minha família é do Norte, de Arcos de Valdevez, e lembro-me de ver crianças nuas da cintura para cima e sem sapatos na rua, a tuberculose matava a família toda.

As pessoas sabem lá o que é fome comparando com esses tempos. O problema é que tivemos uma geração de abundância que criou expectativas e ficou sem elas. Isso é o pior que se pode fazer a uma pessoa, mesmo que a situação do país não seja a pior.

Se mandasse, como é que saía desta situação?

Não era capaz de mandar. Não sei como é que eles dormem.

Fala-se do cérebro de quem manda, de haver mais psicopatas na política.

O político tem de ter um cérebro autónomo, um pouco autista.

Consegue ver esses traços de autismo nos nossos governantes?

Às vezes consigo.

Por exemplo?

Não vou exemplificar mas há alguns particularmente autistas, de ambos os lados. Mas repare-se, é uma adaptação. Num contexto em que se ouve muitas opiniões, é muito difícil tomar decisões. É natural que quem tem de tomar decisões tenda a restringir quem ouve.

O que é que antevê para o país?

É muito difícil fazer previsões. O período da guerra do Ultramar foi horrível para a minha geração, tive amigos que morreram aos 20 anos. São coisas horríveis que a sociedade ultrapassa. Penso que acontecerá o mesmo.

A sua geração ainda está mais marcada por isso de que por esta crise?

Ainda há pessoas muito marcadas. É uma experiência profundíssima e o cérebro jovem guarda-as. As gerações mais novas não o recordam, têm uma visão histórica, é como pensar na batalha de Aljubarrota. Mas há outros momentos que marcaram. O primeiro 1.º de Maio foi uma coisa única.

Como viveu o 25 de Abril?

Foi um período complicado em que era difícil perceber o que ia acontecer. Houve acontecimentos dramáticos , foi dificílimo para mim perceber coisas como a invasão da embaixada de Espanha. Como é que se entra lá, despeja-se as pessoas e queima-se tudo cá fora, obras de arte, tudo. Tudo era possível naquela fase. Antes do 25 de Abril havia manifestações na rua, reuniões mais ou menos clandestinas e controlo policial. Mas apesar de tudo sabíamos as regras. A polícia marchava sobre a manifestação mas sabíamos como fugir. Quando se criou aquela situação sem governo, deixou de haver regras.

Correu bem mas naquele momento a sensação que tive era que podia ter corrido mal. Tinha uma filha pequena e estava aflito.

Quarenta anos depois, o que faz falta?

Uma figura capaz de intervir a nível europeu e marcar uma viragem. Precisamos de uma figura na Europa que consiga perceber para onde vamos. Porque é que Churchill foi a Atenas na guerra civil da Grécia? Foi ali que nasceu a cultura, a Europa não pode olhar para a Grécia como se fosse uma coisa qualquer. Portugal foi um país fundamental para a Europa, abriu as rotas do mundo. Não podemos ser os coitadinhos. O que é que os alemães andavam a fazer enquanto a gente andava a descobrir? Eram bárbaros. Portugal tem um capítulo importante na história da Europa e por isso não tem nada que ser considerado um país da periferia.

Para esta sociedade isto não interessa?

Mas a história está nos genes das pessoas. O que aconteceu em Portugal é muito secundário em relação ao que está a acontecer no resto do mundo. Voltamos ao dinheiro: o modelo de funcionamento da sociedade provavelmente não está bem.

Não está no nosso cérebro perseguir o dinheiro, querer mais?

O problema é que as áreas do cérebro associadas à recompensa, que ativam com dinheiro ou com outras coisas, são as mesmas. Isso é que é chato. Se houvesse uma areazinha para o dinheiro e outra para as outras coisas boas era mais fácil.

É mais fácil compensar com dinheiro?

É mais fácil, é mais imediato. Agora a bolha rebentou e isso vai ter uma solução com certeza. Precisávamos de perceber que os valores das pessoas são outros, precisam de uma sociedade diferente que não as encare como coisas. Hoje em dia até já há pessoas capazes de responder quanto vale a vida humana. É um perfeito absurdo.

Começa a falar-se disso na saúde e no SNS.

Na saúde portuguesa vejo uma catástrofe, desapareceu o interesse pela pessoa. Como é possível uma pessoa ter um exame marcado e não o deixarem fazer por faltar um papel? Ou não se justifica o exame ou depois leva o papel.

Na procura de um maior controlo da despesa esqueceu-se as pessoas.

Mas antes havia mais desperdício.

Com certeza, mas isso resolvia-se com organização. Conseguiu-se isso sacrificando o respeito pela pessoa e o conhecimento. Quando se impõe que uma consulta tem de demorar 15 minutos acabou. Uma consulta demora o tempo que tem de demorar. Assim as consultas só correm o risco de sair mais caro porque vão exigir mais exames.

Tem saudades do hospital?

São coisas diferentes. Neste momento não conseguia viver no hospital. A dizerem-me para pôr o doente na entrada. Não pode haver horário de trabalho. Temos de fazer o que é preciso.

Como se torna o SNS sustentável?

O problema está nos recursos humanos. É preciso criar condições para contratar bem e trabalhar. O sistema público não se pode pôr em paralelo com o sistema privado porque sai mais barato. Enquanto o SNS quer prevenir a doença, o privado vive da doença. Estão em conflito e é muito difícil serem parceiros. O privado é hospitalocêntrico, é uma oficina que vive de haver carros avariados.

Não se revê na estratégia do governo de encarar o sistema de saúde como um todo?

De todo. A questão reside na capacitação dos recursos humanos no sistema público. Isto resolve-se com contratações inteligentes em que as pessoas sabem o que vão fazer e cumprem ou não. A reforma do Estado era passar-se uma vez por todas a dizer o senhor está cá para fazer isto. Qualquer pessoa aceita este negócio. Ao fim de um período, três anos ou o que for, não fez vai embora. Tem de haver uma avaliação séria.

A reforma foi uma oportunidade perdida?

Gostava que tivesse havido alguma reforma do Estado mas não houve nenhuma."