Foi-me remetido por mail este texto, ao que parece da autoria de ALEXANDRE CASTRO CALDAS - Neurologista
"Aos
65 anos, o neurologista rejeita uma idade para a reforma e defende mais
oportunidades para idosos terem os seus projetos
Um curso que
promove o diálogo intergeracional em torno do cérebro foi o mote para uma conversa
com o neurologista Alexandre Castro Caldas. Preocupa-o um país de costas
voltadas para as demências mas também uma sociedade demasiado centrada no
dinheiro, que poderia ser mais fácil de resolver se tivéssemos circuitos
cerebrais diferentes. O diretor do Instituto de Ciências de Saúde da
Universidade Católica diz não ter vocação nem para político nem para crítico,
mas faz o seu balanço da situação do país.
O que motivou
este curso sobre o cérebro em todas as idades?
Estamos no Ano
Europeu do Cérebro, o que pede um trabalho de divulgação. Outra motivação foi
achar que têm sido transmitidas mensagens que não são verdadeiras e há um
mercado que engana as pessoas. Que há medicamentos para fazer o cérebro
funcionar melhor ou produtos para a memória. É preciso perceber o que a ciência
provou e o que não provou.
Os suplementos
não funcionam?
É preciso perceber
que felizmente hoje há metodologias para estudar estas coisas. O que se passa
com esses produtos é que muitos não foram experimentados e outros foram e não
resultaram. O que é grave é que estes produtos não são classificados como
medicamentos, dispensa-se o processo de validação. Nem tudo o que é natural faz
bem. Mas não falo sequer só destes produtos. É preciso cuidado com o que se
oferece às pessoas e quando o assunto é o cérebro há demasiada generalização.
Por exemplo?
O facto de uma
pessoa de 70 anos que nunca fez sudokus passar uma tarde toda a fazê-los não
lhe vai dar nenhum benefício. Não é por isso que vai deixar de se esquecer dos
óculos. Quando muito pode desenvolver uma área de fazer sudokus mas não serve
para nada.
É um mito que
pode ajudar a manter o cérebro ativo?
O cérebro não é
uma máquina a vapor. Manter o cérebro ativo implica manter muitas áreas a
funcionar e isso faz-se vivendo. O núcleo fundamental do comportamento e da
cognição humana é a relação com os outros. À medida que envelhecermos ficamos
mais egocêntricos, como se o cérebro dissesse que já sabemos tudo.
É isso que temos
de contrariar.
Há alguma
explicação para isso?
Os porquês ainda
são difíceis de responder, mas é o que acontece. À medida que envelhecemos, as
áreas que se mantêm mais ativas estão ligadas à capacidade de introspeção.
Isto pode ter uma explicação primária mas pode ser secundário, o resultado de
uma menor exposição social. A sugestão que faço é que se viva bem desde
pequenino, criando hábitos de memória e mantendo o contacto interpessoal. A
memória desenvolve-se quando somos pequenos, aprendem-se coisas de cor porque
isso cria mecanismos de armazenamento de informação que se vão repercutir ao
longo da vida.
Estamos a
hipotecar isso com as tecnologias e a crescente dependência dela?
Essa discussão é
engraçada, se estaremos a tirar a memória da cabeça para os equipamentos.
Sócrates nunca escreveu nada porque entendia, sabemos dos diálogos com Platão,
que era dar cabo da memória. Retirava-se do pensamento alguma informação a que
não recorreríamos tanto, não nos lembraríamos. Hoje é muito pior. A tecnologia
pode não nos deixar memorizar e sugar-nos a memória toda.
E isso será mau para o nosso cérebro?
Não podemos fazer
juízos de valor. É uma criação humana, faz parte da natureza humana desenvolver
tecnologias e adaptamo-nos como fizemos com a escrita e com a roupa. O que é
fascinante é a velocidade a que estão a acontecer as coisas. Aprendemos a
escrever há 7 mil anos e foi ao longo deste tempo que o cérebro se adaptou.
Hoje na mesma geração as coisas mudam 20 vezes. Estou convencido de que quando
o cérebro não conseguir acompanhar, as novas tecnologias param.
Pode haver
consequências a prazo, mais demência?
Não creio. A
demência é uma doença que havemos de perceber porque é que acontece e há linhas
de investigação que sugerem que seja do tipo viral, um pouco como os priões da
doença das vacas loucas. Mas se existem doenças como esta, que ainda não
percebemos bem, há perda de competências cognitivas porque a pessoa se senta à
frente da televisão depois de se reformar, isso é que prejudicial. Isso não é
doença. É a diferença entre a demência e o mau envelhecimento.
Como vê a
discussão em torno da idade de reforma?
Acho disparatado
haver uma idade até porque já passei do prazo. Há idades em que as pessoas são
capazes de fazer determinadas coisas e outras em que já não são. Há pessoas que
querem deixar de trabalhar em função do tipo de função que têm e do contrato e
outras que querem continuar. Cada vez mais temos pessoas na idade da reforma
fantásticas e a sociedade vai ter de aproveitá-las forçosamente.
Como reformava
o sistema?
Devia haver um
programa de segunda leva. Há imensas pessoas que passaram a vida toda a dizer
que se fossem elas a mandar faziam assim e assado. Deviam ter essa
oportunidade. Devia haver condições para os mais velhos lançarem um projeto,
começarem um negócio, passarem a trabalhar por conta própria. O problema é que
se eu chegar ao banco com 65 anos a pedir dinheiro ninguém mo dá. Devíamos por
outro lado estimular o trabalho dos avós com os netos. A brincadeira dos netos
pega-se às pessoas de idade e é uma atividade exploratória que faz bem aos
velhos pela razão que falava de manter o cérebro a funcionar. Já as crianças
pela transmissão de histórias e experiência aprendem formas de arquivar
informação.
Fala-se
excessivamente do problema dos mais jovens e das crianças?
Tende-se a olhar
para o envelhecimento como uma curva descendente quando não é. A vida é uma
linha paralela à terra e acontecem coisas diferentes em todas as fases. Há um
cérebro para todas as idades como é o nome do curso. É evidente que não vou
saltar ao eixo com 90 anos, existe uma perspetiva em relação ao comportamento
em função da idade. Mas não podemos com base nisso cortar a oportunidade de as
pessoas viverem as competências que têm. Infelizmente, é isso que acontece, a
sociedade tira as oportunidades às pessoas idosas. Impõe barreiras de vida,
oferece-lhes cidades agressivas, tenta escondê-las.
O que é uma
cidade agressiva para velhos?
É Lisboa. Meta uma
pessoa de 80 anos a andar em passeios com pedras soltas, cocós de cães e
ervinhas a crescer e veja o que acontece.
Dantes os passeios
estavam direitinhos e havia pessoas que raspavam a lioz para não ficar
escorregadia. Hoje as pessoas veem-se aflitas. Há um momento da vida em que as
pessoas dizem não vou saltar para este degrau porque dá mau resultado, vai acontecer-nos
a todos porque o aparelho osteoarticular perde a sua elasticidade. As pessoas
mais velhas recebem menos informação sensorial nas pontas de pés e têm de andar
com mais cuidado, o tempo de reação é muito mais lento. As cidades têm de se
adaptar a isto.
Perdemos
capacidade intelectual quando envelhecemos?
A linguagem
mantém-se mas há curvas de perda de memória. Mas é uma perda de episódios e não
de procedimentos. Isso acontece porque há zonas do cérebro que reduzem a sua
atividade. Mas mais uma vez: não sabemos se resulta de menos uso. Enquanto sou
miúdo preciso de ir guardando informação para me adaptar à vida. Quando começo
a ver que isto já sei e aquilo já sei, tendo a guardar menos. Se não usar, o
cérebro é económico, desativa. Acho que a perda é secundária, se as pessoas
insistirem em aprender conseguem.
Portanto é
falso que burro velho não aprende línguas.
Sim. As pessoas
mais velhas aprendem e se não aprendem mais é porque talvez não tenhamos
desenvolvido metodologias adaptadas. É interessante que mesmo pessoas com
problemas cognitivos graves têm reações que revelam o cérebro a processar
mesmo coisas subtis. Tenho casos em que um filho se queixa que o pai ou a mãe
passa muito mal as noites e na casa do irmão isso não acontece. Há situações
mais dramáticas em que morre o marido ou a mulher e a pessoa fica tranquila. De
alguma forma processava a ansiedade do outro. Uma coisa que se tem percebido é
que o contacto físico é muito importante na relação com as pessoas com
demência.
Falta informação
sobre como cuidar nessas circunstâncias?
Não há um livro de
instruções mas cada vez mais temos de ter técnicos preparados e isso é um
problema gravíssimo em Portugal. Estamos de costas voltadas para o problema das
demências. Há alguns projetos pontuais mas não há uma visão geral.
Mas há um
programa prioritário de saúde mental da DGS e um Conselho Nacional de Saúde
Mental.
Mas o que é que
está feito? O que é que está no terreno? Nada. Uma pessoa que que se vê com um
familiar com uma demência neste momento não sabe o que há-de fazer à vida.
Sobretudo não
tendo dinheiro?
Mesmo tendo
dinheiro. Há poucas instituições que sabem o que estão a fazer. As instituições
nem sempre vão buscar os profissionais mais habilitados. Não têm formação e
reagem à pessoa com demência como a uma pessoa sem demência. Com estas pessoas
tem de se ser ator de teatro, perceber o papel a desempenhar. A pessoa que
entra com demência numa instituição ou num lar tem uma história de vida que é
deitada fora para ficar normalizado. Querem lá saber se foi calceteiro ou
professor catedrático.
Faz diferença
no contacto?
Claro que sim, se
tiver sido toda a vida professor não me identifico por senhor João, não me
reconheço, não percebo que é comigo. É preciso ter noção do passado cultural da
pessoa. Mas há um problema mais grave: na maioria das instituições não há
planos de trabalho individual. Uma pessoa não pode ir para uma instituição para
se sentar à frente da televisão e ter refeições à hora certa. Estar ali vai
passar a ser vida daquela pessoa. O plano tinha de estar escrito, ser pensado e
revisto.
Esses planos de
vida deviam ser obrigatórios nos lares e instituições?
Está previsto e
devia ser mas há uma grande falta de conhecimento. Ainda há dias conversava com
uma senhora que tem uma instituição. Dizia-lhe que era benéfico haver rotinas
numas coisas mas não de outras. Por exemplo, não faz sentido os lugares
marcados para almoçar, faz sentido ir mudando de mesa, conhecer pessoas novas.
Ela respondia que isso era muito complicado: assim têm sempre o guardanapo e a
medicação no mesmo sítio. Então mas não podem antes de se sentar ir buscar o
guardanapo e a medicação?
Pedem-lhe
muitas vezes conselho?
Às vezes e ficam
muito admiradas. As pessoas percebem muito pouco de comportamento humano, há
uma ideia errada de normalização.
Neste curso sobre o cérebro que vai repetir em Abril também sentiu isso?
Em algumas coisas
sim. Uma das surpresas foi porque é que as pessoas de idade não conseguem falar
enquanto andam. É simples: já perderam o piloto automático da marcha, pelo que
o pensamento e a conversa interferem com o equilíbrio. Uma senhora ficou muito
surpreendida, costumava zangar-se com a mãe por terem de parar para ela
responder.
E porque é que
os mais velhos se repetem tanto?
É como as
crianças, quando se repete a mesma história os miúdos ficam tranquilos, quando
se muda ficam aborrecidos. A repetição é um caminho conhecido, é a verdade da
pessoa. Ao contar a mesma história muitas vezes, a pessoa sente-se com
confiança.
A violência
contra os idosos nas famílias parece ser mais comum do que pensávamos. Tem
perceção desses casos?
Há muitas famílias
disfuncionais, tive situações em que percebi que os filhos não eram a melhor
companhia. Agora, hoje em dia há uma geração difícil que está a tomar conta dos
pais e tem filhos pequenos, tem de fazer opções. Percebo que os filhos optem
pelos mais novos, pelos filhos deles. O que faz com que não haja um
investimento na qualidade de vida dos mais velhos, é mais fácil pôr num lar
baratinho.
Tem-se falado
dos incentivos à natalidade. Devia haver também incentivos à terceira idade?
É forçoso
investirmos na natalidade até porque há uma idade em que ser pai e mãe faz
parte da nossa biologia. Negar a procriação pode ser uma atitude intelectual e
aí as pessoas organizam a sua vida de outra maneira. Mas na maioria das
situações traz sofrimento. Em muitos casos as pessoas limitam-se a um filho
único porque não podem ter mais, não é por razões de carácter intelectual. Isso
é um constrangimento numa fase da vida que não podemos querer. Agora sem
dúvida: temos de apoiar as duas coisas.
E o dinheiro
chega?
Não estou nada de
acordo com esse argumento de que a roupa está curta e ou se puxa para um lado
ou para o outro. Muitas vezes a roupa dá para todos, tem é de estar bem
distribuído.
É preciso fazer
desaparecer as pregas a meio.
Onde vê as
pregas?
Não vou discutir
economia e política mas acho que o mundo anda todo ao contrário. Felizmente o
Papa tem dito as coisas certas: a humanidade existe há milhares de anos e o
dinheiro tem pouco tempo. Não faz sentido este culto dos mais ricos, para que
serve isto? Não estou a dizer tirar aos ricos para dar aos pobres, mas tem de
haver um padrão de vida mais equilibrado, que não crie tanto sofrimento.
Dizia-se que
esta crise, ao vivermos com menos, podia ditar essa mudança
Acho que a
exploração disto do ponto de vista político é inaceitável. Espremer a ver se
sai alguma coisa. Acho quem deve ter ideias é quem quer ter poder: tem de
arranjar uma solução para a economia que não faça sofrer as pessoas. Do meu
ponto de vista, vai ser muito difícil recuperar do estado em que está o país
neste o momento. As pessoas estão desmotivadíssimas. Não há família que não
tenha pessoas emigradas e é uma emigração diferente da que aconteceu há uns
anos em que se voltava. Estes estão a ir novos, instalam-se em situações mais
confortáveis e ficam lá. O país não ganha nada com esta emigração.
Não vê virtude
nenhuma na austeridade?
Não vejo virtude
na austeridade. Querer transformar isso e dar-lhe um ar que pode ser ótimo
para a evolução da sociedade é perverso. Não é pelo sofrimento que as pessoas
resolvem o problema.
Que marca deixou esta crise na nossa saúde mental?
É preciso ter
algum cuidado nessa análise. Podemos dizer o que achamos mas isso tem pouco
valor. Já ouvi pessoas a dizer que aumentou a depressão e outras que não. Acho
que as pessoas estão mais tristes e tristeza não é depressão. Afeta o nosso
dia-a-dia mas não se resolve com remédios mas integrando as pessoas.
Mas induz uma
espiral negativa, que não ajuda a recuperar?
O negativismo
pega-se. Agora também temos de ter alguma memória. A minha família é do Norte,
de Arcos de Valdevez, e lembro-me de ver crianças nuas da cintura para cima e
sem sapatos na rua, a tuberculose matava a família toda.
As pessoas sabem
lá o que é fome comparando com esses tempos. O problema é que tivemos uma
geração de abundância que criou expectativas e ficou sem elas. Isso é o pior
que se pode fazer a uma pessoa, mesmo que a situação do país não seja a pior.
Se mandasse,
como é que saía desta situação?
Não era capaz de
mandar. Não sei como é que eles dormem.
Fala-se do
cérebro de quem manda, de haver mais psicopatas na política.
O político tem de
ter um cérebro autónomo, um pouco autista.
Consegue ver
esses traços de autismo nos nossos governantes?
Às vezes consigo.
Por exemplo?
Não vou
exemplificar mas há alguns particularmente autistas, de ambos os lados. Mas
repare-se, é uma adaptação. Num contexto em que se ouve muitas opiniões, é
muito difícil tomar decisões. É natural que quem tem de tomar decisões tenda a
restringir quem ouve.
O que é que
antevê para o país?
É muito difícil
fazer previsões. O período da guerra do Ultramar foi horrível para a minha
geração, tive amigos que morreram aos 20 anos. São coisas horríveis que a
sociedade ultrapassa. Penso que acontecerá o mesmo.
A sua geração
ainda está mais marcada por isso de que por esta crise?
Ainda há pessoas
muito marcadas. É uma experiência profundíssima e o cérebro jovem guarda-as. As
gerações mais novas não o recordam, têm uma visão histórica, é como pensar na
batalha de Aljubarrota. Mas há outros momentos que marcaram. O primeiro 1.º de
Maio foi uma coisa única.
Como viveu o 25
de Abril?
Foi um período
complicado em que era difícil perceber o que ia acontecer. Houve acontecimentos
dramáticos , foi dificílimo para mim perceber coisas como a invasão da
embaixada de Espanha. Como é que se entra lá, despeja-se as pessoas e queima-se
tudo cá fora, obras de arte, tudo. Tudo era possível naquela fase. Antes do 25
de Abril havia manifestações na rua, reuniões mais ou menos clandestinas e
controlo policial. Mas apesar de tudo sabíamos as regras. A polícia marchava
sobre a manifestação mas sabíamos como fugir. Quando se criou aquela situação
sem governo, deixou de haver regras.
Correu bem mas
naquele momento a sensação que tive era que podia ter corrido mal. Tinha uma
filha pequena e estava aflito.
Quarenta anos
depois, o que faz falta?
Uma figura capaz
de intervir a nível europeu e marcar uma viragem. Precisamos de uma figura na
Europa que consiga perceber para onde vamos. Porque é que Churchill foi a
Atenas na guerra civil da Grécia? Foi ali que nasceu a cultura, a Europa não
pode olhar para a Grécia como se fosse uma coisa qualquer. Portugal foi um país
fundamental para a Europa, abriu as rotas do mundo. Não podemos ser os
coitadinhos. O que é que os alemães andavam a fazer enquanto a gente andava a
descobrir? Eram bárbaros. Portugal tem um capítulo importante na história da
Europa e por isso não tem nada que ser considerado um país da periferia.
Para esta
sociedade isto não interessa?
Mas a história
está nos genes das pessoas. O que aconteceu em Portugal é muito secundário em
relação ao que está a acontecer no resto do mundo. Voltamos ao dinheiro: o
modelo de funcionamento da sociedade provavelmente não está bem.
Não está no
nosso cérebro perseguir o dinheiro, querer mais?
O problema é que
as áreas do cérebro associadas à recompensa, que ativam com dinheiro ou com
outras coisas, são as mesmas. Isso é que é chato. Se houvesse uma areazinha
para o dinheiro e outra para as outras coisas boas era mais fácil.
É mais fácil
compensar com dinheiro?
É mais fácil, é
mais imediato. Agora a bolha rebentou e isso vai ter uma solução com certeza.
Precisávamos de perceber que os valores das pessoas são outros, precisam de uma
sociedade diferente que não as encare como coisas. Hoje em dia até já há
pessoas capazes de responder quanto vale a vida humana. É um perfeito absurdo.
Começa a
falar-se disso na saúde e no SNS.
Na saúde
portuguesa vejo uma catástrofe, desapareceu o interesse pela pessoa. Como é
possível uma pessoa ter um exame marcado e não o deixarem fazer por faltar um
papel? Ou não se justifica o exame ou depois leva o papel.
Na procura de um
maior controlo da despesa esqueceu-se as pessoas.
Mas antes havia
mais desperdício.
Com certeza, mas
isso resolvia-se com organização. Conseguiu-se isso sacrificando o respeito
pela pessoa e o conhecimento. Quando se impõe que uma consulta tem de demorar
15 minutos acabou. Uma consulta demora o tempo que tem de demorar. Assim as
consultas só correm o risco de sair mais caro porque vão exigir mais exames.
Tem saudades do
hospital?
São coisas
diferentes. Neste momento não conseguia viver no hospital. A dizerem-me para
pôr o doente na entrada. Não pode haver horário de trabalho. Temos de fazer o
que é preciso.
Como se torna o
SNS sustentável?
O problema está
nos recursos humanos. É preciso criar condições para contratar bem e trabalhar.
O sistema público não se pode pôr em paralelo com o sistema privado porque sai
mais barato. Enquanto o SNS quer prevenir a doença, o privado vive da doença.
Estão em conflito e é muito difícil serem parceiros. O privado é
hospitalocêntrico, é uma oficina que vive de haver carros avariados.
Não se revê na
estratégia do governo de encarar o sistema de saúde como um todo?
De todo. A questão
reside na capacitação dos recursos humanos no sistema público. Isto resolve-se
com contratações inteligentes em que as pessoas sabem o que vão fazer e cumprem
ou não. A reforma do Estado era passar-se uma vez por todas a dizer o senhor
está cá para fazer isto. Qualquer pessoa aceita este negócio. Ao fim de um
período, três anos ou o que for, não fez vai embora. Tem de haver uma avaliação
séria.
A reforma foi
uma oportunidade perdida?
Gostava que tivesse
havido alguma reforma do Estado mas não houve nenhuma."